sábado, 8 de novembro de 2008

Os Girassóis


Há muito tempo atrás peguei um catálogo de coleção de roupas infantis da Loja Benetton. Chamava a atenção não só por ter sido feito com crianças especiais, mas principalmente porque trazia uma alegria verdadeira em cada olhar... uma alegria que muitas pessoas não percebem.
O catálogo apresenta a coleção outono-inverno 98-99 e utiliza como modelos os alunos de uma instituição alemã para pessoas portadoras de deficiências. Na abertura do mesmo encontra-se, além dos créditos, um texto de uma página, escrito em letras brancas em um fundo preto, onde Susanna Tamaro escreve sobre sua experiência com o contato com estas pessoas.

"Da minha janela vejo colinas, campos, bosques... Plantações de trigo alternam-se com campos de girassóis. Sempre gostei destas flores pela sua obstinada alegria, pela suavidade com a qual seguem o sol. Ao meu lado, os sorrisos destas crianças, destes jovens. Outros pequenos sóis que iluminam a minha sala. Há alegria nestes olhares. Uma alegria simples.
Estas imagens, na verdade, falam-nos de um mundo sem defesas, sem fronteiras, sem preconceitos. Um mundo que surge oferecendo a instantaneidade do seu amor. Nestas últimas décadas, aprendemos a seguir o mito da inteligência que acredita compreender, enquanto que na verdade classifica, julga e separa. A inteligência sabe certamente como devem ser as coisas e como não devem ser. Fabrica caixas, caixinhas, paliçadas, muretas e muros de cimento. Uma vez construído um muro, é natural colocar o arame farpado em cima, pagar um sentinela armado para controlar a passagem.
Duvido, logo existo. Desprezo, logo existo. Cinismo é o sentimento dominante destes tempos, faz sentir-nos lúcidos e superiores. No concretismo da vida, esta forma mental age como um tipo de estiagem: reduz, resseca tudo. Por isso, quando procuro imaginar o coração das pessoas que se escondem atrás do cinismo, vejo uma raiz seca, uma forma de vida vazia, incerta, que avança pulsando com fraqueza.
Quando penso no coração destas pessoas vejo uma couraça rígida e esclerótica feita de avidez, de presunção. E sob esta couraça, o vazio. No vazio avança o medo, cresce e desenvolve-se como uma planta ruim. É exatamente o medo que nos torna logorréicos. O medo de amar. E aquele ainda maior, de sermos amados.
Num mundo onde o horizonte já é obstinadamente reduzido, o sentimento do amor é a maior ameaça. Onde passa o amor não resta outra coisa: caem os muros, uma após outra incendeiam-se as paliçadas. De improviso, encontramo-nos sós no meio de um deserto, descobrimo-nos nus, sem mais um nome, sem mais uma meta, indefesos. Somente então podem nascer pensamentos novos, palavras novas, um novo modo de ver as coisas. Somente assim a frieza do juízo superior pode dar lugar à compreensão e à comoção.
“Acredito que crianças e adultos deficientes sejam na verdade anjos, pois não conhecem o mal, as mentiras, a falsidade.“ – Diz uma das mães.
Eu também acredito. Não somos nós que nos sacrificamos por estas crianças, são elas que se sacrificam por nós. Descem à terra com olhos esplendentes para romper os muros dos nossos corações e abri-los ao dom maior: a gratuidade do amor."


Susanna Tamaro.

[]´s

Dani.

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